terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Os Velhos Também Querem viver - Uma Menina Está Perdida no seu Século à Procura do Pai




No final de 2014, as traduções da obra de Gonçalo M. Tavares apareceram em destaque na escolha dos melhores livros do ano na imprensa de língua inglesa e em países como França, Espanha, Holanda, Brasil e Turquia, entre outros.
Em França, com a recente edição simultânea de três livros – Um Homem: Klaus KlumpA Máquina de Joseph Walser e O Senhor Swedenborg – a conceituada revista Magazine Littéraire classificou Gonçalo M. Tavarescomo “genial” e escreveu: “O escritor português afirma-se como uma figura maior – combina um rigor formal com uma loucura suave. […] Gonçalo M. Tavares é um Kafka tanto matemático como sensual, que inventa as suas próprias arquiteturas para poder explorar um mundo em crise, e  que olha sempre através de um cruzamento entre o grotesco e o terrível. […] É brilhante.”
Para os jornais Le Monde e Philosophie Magazine “Gonçalo M. Tavares já é um clássico quando só tem 44 anos”.



Um Gonçalo M. Tavares é pouco, dois Gonçalo M. Tavares é bom, três Gonçalo M. Tavares seria o ideal…

Por Pedro Justino Alves
Um Gonçalo M. Tavares é pouco, dois Gonçalo M. Tavares é bom, três Gonçalo M. Tavares seria o ideal…

De uma assentada o mercado nacional recebe dois livros de Gonçalo M. Tavares. Autêntico manjar para esta época natalícia, as prendas «Uma menina perdida no seu século à procura do pai», da Porto Editora, e «Os velhos também querem viver», da Caminho, apenas não são perfeitas porque a sensação de vazio fica aquando terminamos a leitura dos dois livros. Seria muito pedir mais um ao Pai Natal?

Gonçalo M. Tavares está de regresso, para felicidade de muitos, mas também para ser descoberto por outros “muitos”. Não com um livro, mas com dois. Um romance em «Uma menina perdida no seu século à procura do pai», uma espécie de livro teatral em «Os velhos também querem viver». Entre os dois há algo em comum, embora sejam ao mesmo tempo bastante diferentes: a perda.
No primeiro, o autor conta-nos a história de Marius, que, ao andar na rua, não consegue ficar indiferente ao rosto de Hanna (ou Hannah…), que procura o pai. Sozinha, a jovem carrega consigo uma caixa com várias fichas divididas por áreas (alimentação, saúde e segurança, linguagem, etc.), fichas que procuram determinar o comportamento pessoal e social de uma pessoa. Hanna (ou Hannah…) tem trissomia 21. Enquanto a jovem procura algo, Marius foge de algo. Na verdade, nunca saberemos de que, mas, solitários, ambos acabam por partilhar uma fuga para à frente. Este talvez seja a “mensagem” implícita no livro, nunca parar, andar sempre, seguir, avançar, não desistir, persistir, por mais que a vida não permita. Ao longo da sua curiosa viagem, Marius e Hanna (ou Hannah…) encontrarão vários insólitos personagens, como um fotógrafo que coleciona fotos de animais e pessoas com deficiências, uma família que cola cartazes em todo o mundo com o intuito de despertar as mentes de todos, dois proprietários de um hotel que deram nomes de campos de concentração aos quartos, um antiquário que adora inventar histórias, os sete «Séculos XX», etc. A pluralidade de personagens criada por Gonçalo M. Tavares é realmente deslumbrante, impossível não nos agarrarmos a eles, cada um com a sua história particular, muitas marcadas pela Grande Guerra. Mas também deve-se destacar as situações ocorridas na história, todas magnéticas, que prendem o leitor ao livro, incapaz de abanonar a estranha estrutura do hotel, o papel dos sete «Séculos XX» na História da Humanidade, a força das convicções dos cinco membros da família Stamm («- Estamos no mundo para o boicotar.»), etc. Em «Uma menina perdida no seu século à procura do pai» temos uma obra onde curiosamente «à procura» acaba por ser o menos importante, embora seja a força catalisadora de tudo, além da fuga inexplicável de Marius, que compreende no fim que o essencial é «não parar, em situação alguma, não parar».
«… e a imagem estranha – outra pessoa diria bela, no entanto não o era, bem pelo contrário, analisada de modo frio era afinal terrível – era que Fried, tal como eu, parecia pedir-lhe desculpapor não ser como ela, por ser normal e por entender as coisas; com consciência plena de que poderíamos sair da nossa tristeza, qualquer que fosse a sua profundidade, mas ela não poderia sair da quantidade de incapacidades que tinha, como que cercada de mundo a mais – porque o mundo se mantém o mesmo para todos, mas a ela sobrava mundo e a nós por vezes faltava.»
Outra peça literária brilhante é «Os velhos também querem viver». Lê-se num fôlego e é algo realmente desconcertante. Na obra editada pela Caminho, Gonçalo M. Tavares une Deuses e Homens, mortalidade e imortalidade, vida e morte, muita morte. A partir de «Alceste», de Eurípedes, o autor reconstrói a história da mitologia grega em Sarajevo, onde, entre 5 de abril de 1992 e 29 de fevereiro de 1996 morreram 12 mil pessoas.
É precisamente em Sarajevo que um sniper atinge Admeto, amigo de Apolo, que não se contenta com a sua morte. O Deus resolve poupar o companheiro, mas a Morte reclama o seu morto. É necessário um sacrifício, uma vida por outra. Pais, família, amigos… Ninguém está disposto a morrer por Admeto. Ou melhor, alguém está, alguém prescinde da sua existência, a sua mulher, a nobre Alceste, que cede o seu último sopro por amor.
Ao trazer «Alceste», de Eurípedes, para os dias de hoje, Gonçalo M. Tavares desperta o interesse sobre os clássicos da Grécia Antiga. Numa escrita bastante exigente, o autor constrói uma narrativa angustiante, onde o fim, tanto individual como humano (e o que é a guerra senão o fim da Humanidade?), dita as regras. Estamos perante um livro onde a existência caminha por uma linha ténue, onde a vida não tem nenhum valor, onde a morte surge a cada esquina. Estamos em Sarajevo, entre 5 de abril de 1992 e 29 de fevereiro de 1996. Acompanhamos com angústia a partida de Alceste, a desolação de Admeto, as incertezas dos Deuses, as certezas da Morte, os comentários do coro de observadores, supostos sobreviventes da tragédia…
«Os velhos também querem viver» tem no diálogo entre Admeto e o seu pai um dos momentos altos, um diálogo que demonstra a importância da vida, mesmo cercada de morte.
«Em Sarajevo e em redor de Sarajevo, no século XX,
a regra particular é igual à regra geral:
os mortos estão mortos, os vivos é que ainda não.»
Fonte: Diário Digital



Os Velhos Também Querem viver -  Uma Menina Está Perdida no seu Século à Procura do Pai

Dois livros recentes de Gonçalo M. Tavares (n. 1970) ajudam-nos a repensar um edifício literário que vem sendo construído desde Livro da Dança (2001). No final de cada um deles, uma espécie de planta distribui por várias secções os famigerados cadernos do autor. Os Velhos Também Querem Viver (Caminho, Outubro de 2014) aparece ao lado de Histórias Falsas na secção Estudos Clássicos. Esta obsessão com a organização de uma obra mais caótica do que aparenta é reveladora de uma intenção arquitectónica sobre o texto, o qual deixa de ser organizado segundo padrões clássicos (romance, conto, teatro, poesia) para assumir novas designações (O Reino, O Bairro, Enciclopédia, Investigações…), mais pessoais e enigmáticas, que, na realidade, aproximam os géneros através de uma teia onde tudo se interliga. Toda a obra de Gonçalo M. Tavares, na sua diversidade, acaba por estar interligada, não sendo possível, ou sendo desaconselhável, lê-la de outra forma, interligada por uma espécie de linha poético-filosófica transversal a todos os géneros, aproximem-se estes mais da ficção ou da poesia, desta ou da filosofia.
Os Velhos Também Querem Vivertransporta a tragédia clássica para tempo e espaço modernos, transporte no tempo e deslocação geográfica da tragédiaAlceste, de Eurípedes, com variações formais onde se acrescenta ao texto original os elementos de uma actualidade meramente paisagística. Podemos dizê-lo assim porque, no essencial, o conflito humano mantém-se, à volta do homem a paisagem transforma-se mas o que há nele de verdadeiramente central permanece com uma perenidade assustadora. A tragédia, dedicada a Hélia Correia, autora de um extraordinário livro de poemas, intitulado A Terceira Miséria, onde estas questões já se colocavam sob prisma similar, tem agora por cenário a Sarajevo da década de 1990 em pleno conflito armado. Admeto é atingido por um sniper, mas pode ser salvo se alguém morrer por ele. Todos se recusam a trocar a sua vida pela vida de Admeto, excepto a sua mulher. Alceste, a mulher de Admeto, morre para ele ficar vivo, mas a consciência de Admeto não se conforma com a perda nem com as razões de seu pai, Feres, ter recusado dar a vida pelo filho. Era um homem velho, podia ter morrido para que os mais novos continuassem vivos. Feres defende-se: «Se os novos gostam de viver, os velhos também. E por que razão a vida de um velho valeria menos do que a vida de alguém que agora começa? (…) Não podes pensar que um velho é metade de um homem; um velho como eu é pelo menos dois homens, eu diria, pela experiência, pela sabedoria»(p. 56). O discurso é objectivo, nada tem de paradoxal, mas coloca à prova a resistência das teses. É esta dimensão inspectiva o que mais fascina nos textos de Gonçalo M. Tavares, textos de uma intensidade poética que muita poesia não consegue ter. Algo semelhante se observa no romance

Entrevista

Os Velhos Também Querem viver -



Os Velhos Também Querem viver -  Uma Menina Está Perdida no seu Século à Procura do Pai - jornal i

Um pé numa tragédia de Eurípides, uma Sarajevo cercada e uma menina à procura do pai entre os fantasmas de Berlim. Maria Ramos Silva embarca nesta viagem feita por vivos e mortos 
Quanta informação oferecem as movimentações dos animais, garante Josef, que discorre sobre a invasão da Europa pelo escaravelho, e sobre essa premonição das espantosas ratazanas que anunciaram a Segunda Guerra raspando-se pelos canos de Londres antes dos bombardeamentos. 




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